Por
Cristine Boaz e Ivy Dias
O que acontece com os adolescentes quando o quarto vira mundo e o mundo virtual molda a realidade?
Stephen Graham, criador e ator do seriado superaclamado e recém-lançado pela Netflix “Adolescência”, conta, em uma entrevista, que pensou na temática do seriado após ler sobre episódios de assassinatos de jovens meninas por jovens meninos no Reino Unido. Nessa série, filmada em plano, ou seja, sem cortes, ele interpreta Eddie, o pai do garoto de 13 anos que ataca a facadas uma menina da mesma idade em um estacionamento próximo à escola em que ambos estudavam.
Assim, entramos em quatro capítulos, de mais ou menos uma hora, nos quais somos levados, imperativamente, e não sem angústia, a uma infinidade de questionamentos sobre a adolescência vivida hoje e as paralelas violências que estão tão presentes na nossa cultura atual. Interrogamos: quais são os interesses dos adolescentes hoje? O que vivenciam quando estão diante das telas? Como está a relação entre pais e seus filhos adolescentes? E a escola está preparada para acolhê-los? Como os discursos de ódio às minorias impacta esse público? O que freia o impulso de ferir aquele que impede sua imediata satisfação? Sabemos que a partir do momento em que a satisfação dos nossos impulsos é regulada por uma referência simbólica, alguma ordem é alcançada. Caso contrário, a desordem impera.
O seriado retrata diversas passagens em que os adolescentes estão solitários, com frágeis referenciais orientadores. Além disso, sabe-se que a relação intergeracional é complexa e, na série, evidencia-se a pouca conexão entre o protagonista e os adultos ao seu redor. Esses são fatores que podem propiciar atos de violência como única via de expressão ao que não vai bem, não havendo espaço para a criação de outras possibilidades de resposta.
Outra questão apresentada no seriado, e fundamental para a análise da passagem adolescente hoje, é a imersão dos adolescentes nas comunidades virtuais. Estamos frente a um momento cultural/social em que os indivíduos tentam validar suas ideologias através de grupos que reforçam suas ideias. E, o adolescente, no isolamento construído em seu quarto, toma esse mundo do computador como única verdade.
Na adolescência, é essencial que haja um agente orientador que balize e possibilite alternativas aos seus atos, pois, quando essa autoridade não é suficiente, emerge o autoritarismo cruel. Importante salientar, como visto nas cenas dentro da escola, que o silenciamento dos fatos envolvendo diversas situações de violência promove a sua naturalização. É essencial que se possa romper com esse silêncio e que o adolescente possa se sentir apoiado e referenciado por alguém, possibilitando a sua entrada no universo simbólico, condição para humanização.
Por isso, como fechamento para essa breve reflexão, apontamos a importância da escuta psicanalítica para o adolescente, na direção de construir e atribuir significados aos seus padecimentos psíquicos, de modo a viabilizar desdobramentos mais saudáveis às suas vivências.
* Cristine Boaz – Psicóloga de orientação psicanalítica e Terapeuta em Estimulação Precoce. Membro do Centro Lydia Coriat.
@cristineboaz.psico
* Ivy Dias – Psicóloga de orientação psicanalítica. Membro do Centro Lydia Coriat.
@ivysdias