Carta aberta sobre a Lei 13.438

Nós, profissionais da equipe do Centro Lydia Coriat, manifestamos o apoio à lei 13.438, aprovada em 2017, a qual acrescenta um parágrafo ao artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “5º É obrigatória a aplicação a todas as crianças, nos seus primeiros dezoito meses de vida, de protocolo ou outro instrumento construído com a finalidade de facilitar a detecção, em consulta pediátrica de acompanhamento da criança, de risco para o seu desenvolvimento psíquico.”

Desde a década de 1970 nos dedicamos ao estudo, diagnóstico e tratamento dos problemas do desenvolvimento na infância e adolescência. Numa abordagem inter e transdisciplinar priorizamos a estrutura do sujeito, que está desde os primórdios da vida em constituição, por este motivo destacamos a importância da intervenção em Estimulação Precoce.

Nosso apoio se deve ao fato de considerarmos que a referida lei contribui na promoção de saúde, permitindo detectar dificuldades na constituição psíquica de 0 a 18 meses, que tornem possível a intervenção quando necessário, antes de que as mesmas possam se tornar uma psicopatologia específica.  Para tanto é decisiva a utilização de um instrumento que detecte dificuldades sem patologizar e que não implique submeter o bebê e seus cuidadores a nenhum procedimento específico para tal detecção precoce:  tal como o IRDI possibilita.

Esta lei foi promulgada após várias décadas de intervenção clínica com bebês e pequenas crianças e da elaboração e aplicação dos Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI). O psicanalista Dr. Alfredo Jerusalinsky, membro fundador e Diretor do Centro Lydia Coriat de Porto Alegre, participou como Coordenador Científico da pesquisa multicêntrica (2000 – 2008), da qual foi Coordenadora Nacional a Prof. Dra. Maria Cristina Kupfer, que deu como resultado a construção e validação do IRDI, e que contou com apoio e aprovação do CNPQ, do Ministério de Saúde e da FAPUSP.

Os aspectos abordados nesse instrumento de detecção precoce foram consequência de observações realizadas por profissionais (pediatras, psicólogos, psiquiatras, psicanalistas) com ampla experiência na clínica com bebês e pequenas crianças, e de uma rigorosa metodologia que articula os importantes achados no campo da maturação com a experiência psicanalítica. A pesquisa se desenvolveu em onze centros hospitalares e de atenção pública situados em dez cidades capitais do país. Numerosos centros de estudos, instituições clínicas, profissionais (entre eles também o Centro que assina esta carta), institutos universitários, departamentos pediátricos, metodólogos (da Escola Paulista de Medicina), estudantes de pós-graduação no papel de monitores e de coletores de dados, se mobilizaram para colaborar na realização dessa pesquisa e, na década transcorrida logo após sua validação, na sua difusão e aplicação. A extensão da tarefa realizada demonstra por si mesma o nível de consciência social alcançado pelos setores profissionais da saúde e pelas milhares de famílias participantes – durante a pesquisa e sua aplicação posterior – acerca da importância da detecção precoce de riscos não somente no que se refere aos aspectos orgânicos do desenvolvimento, mas também aos processos socioafetivos de estruturação do sujeito psíquico.

Com esse instrumento se pretende detectar dificuldades que interfiram na constituição do sujeito e, se estas forem encontradas, possibilitar a intervenção a tempo antes que o quadro psicopatológico se estabeleça. Por este motivo, consideramos o IRDI o melhor protocolo para atingir estes objetivos.

Os profissionais do Centro Lydia Coriat participaram ativamente na construção desta pesquisa, bem como na capacitação dos pediatras que a aplicaram na consulta realizada com bebês nos primeiros 18 meses de vida, durante o período de avaliação. Posteriormente, foi realizada a avaliação psicanalítica e psiquiátrica de todas estas crianças aos 03 anos de vida com o instrumento denominado AP3 (Avaliação Psicanalítica dos 3 anos) que fora construído ad hoc e validado em paralelo de aplicação com instrumentos psiquiátricos previamente existentes e de uso consensual neste tipo de aplicação clínica.

Consideramos também relevante que as avaliações referidas no IRDI não fiquem restritas a pediatras, mas que possam ser estendidas a outros profissionais capacitados da rede básica de saúde, educação e assistência, que tenham seu trabalho voltado à primeira infância. Aplicações e adaptações posteriormente realizadas já demonstraram tais possibilidades.

A aprovação da lei 13.438, que na sua formulação inicial ingressou no processo legislativo como o PLS 451 por iniciativa da Senadora Ângela Portela em 2011, que foi aprovado pelas diversas Comissões do Senado (de Saúde, de Direitos Humanos, da Secretaria da Presidência da Nação, tendo sido sua relatora a Senadora Marta Suplicy) até que em 2013 foi votada afirmativamente por unanimidade no Senado. A partir desse momento permaneceu retida na Câmara até que o Deputado Federal Fernando Franceschini tomou a responsabilidade de ser seu relator em 2016, para, em maio de 2017, ser votada afirmativamente novamente por unanimidade. Essa lei é produto não de nenhuma iniciativa individual, mas de um vasto movimento de consciência social – que abrange desde as famílias até os cientistas, passando pelos clínicos, os educadores, os psicólogos, os pediatras, os psiquiatras, os psicanalistas – acerca da importância da detecção precoce de riscos para a estruturação do sujeito psíquico. Esse movimento não surgiu espontaneamente, é produto de décadas de duro trabalho para que essa consciência social se estabelecesse. O IRDI e a lei 13438 formam parte desse grande movimento.

 

Atenciosamente,

Centro Lydia Coriat

Centro de Estudos Paulo César D’Ávila Brandão

 

Integrantes da equipe que assinam esta carta: Alfredo Nestor Jerusalinsky, Ângela Esther da Silveira González, Beatriz Kauri dos Reis, Carolina Gubert Viola, Cláudia Regina Rosso Trevisan, Deborah Nagel Pinho, Elaine Milmann, Gerson Smiech Pinho, Ivone Montenegro Alves, Ivy de Souza Dias, Julieta Jerusalinsky, Maria Cristina Petrucci Solé, Mercês Sant’Anna Ghazzi, Nina Paim Kloss, Raquel Alvarez Sulzbach, Rejane Fraga Farias, Silvia Eugenia Molina, Vera Marilza Piasenski e Zulema Angeles Garcia Yañez.