Adolescência: uma outra reflexão sobre o tema

Por Maria Cristina Petrucci Solé

“Adolescência” seriado e não o processo que invade a infância, começa como um filme de terror. Terror que assombra a todos os adultos que têm filhos, netos ou se ocupam com as crianças.

Esse monstro era, na minha infância, o estranho que me ofereceria bala na rua, para depois me estuprar, segundo minha mãe, também foi a televisão na geração dos meus filhos que os deixaria idiotitizados, segundo os pediatras, e agora a internet, que ao entrar nas casas, nas cabeças, nas vidas dos adolescentes os corrompe e os leva inclusive à morte.

Estão todos assustados, alvoroçados, inquietos e só se fala no horror que o seriado produz, porque ele relata uma ameaça da qual, ainda, não sabemos nos defender. No Brasil, uma ameaça para as famílias de classe média e alta, mais precisamente, porque para famílias das classes populares, aquelas que não têm seu próprio quarto para ter privacidade, seu próprio computador, ou seu celular a ameaça segue sendo a delinquência o uso de drogas, o grande monstro, o tráfico e por fim a prisão e a morte. Importante marcar essa diferença, pois pelo farfalhar das redes sociais pode parecer que esse “vampiro” está espreitando a casa de todo mundo, longe das nossas redes, nas periferias, o “vampiro” segue sendo o mesmo de sempre, o tráfico que alicia o adolescente como seu escravo, seja na adicção ou no trabalho. Segue sendo os objetos
de consumo cobiçados, os chocolates nas prateleiras dos supermercados que eles só podem acessar roubando.

Todos estão falando, assisti à entrevista de um especialista que fala em vigiar os filhos, para saber ao que assistem. Os pais devem vigiar, mas não muito porque os adolescentes necessitam privacidade, diz o especialista também em dúvida.

“Leia o diário dela” , sussurrava a orientação dos especialistas na minha adolescência, e os pais liam cartas, liam diários e os cadeados dos caderninhos floridos eram irremediavelmente violados, a intimidade e a relação de confiança ia embora com essa violação, os pais nunca mais voltariam ao lugar de Outro com quem posso contar, estavam fadados ao lugar de Outro que me persegue e me ameaça. “Se voltares a usar drogas, te interno” ameaça a mãe da minha amiga que interceptou a correspondência dela com outra amiga em que escrevia a  experiência de ter experimentando um cigarro de maconha. Fumou vários outros, mas nunca mais escreveu, nem para a amiga, nem
para mais ninguém.

Escutei um arquiteto no instagram assumindo que a culpa desse problema está nos projetos compartimentados, que dividem os lares em suítes onde cada membro da família se “guarda” ao final do dia. Penso que ele está invertendo a ordem dessa demanda. O Ibope nos pergunta quantos banheiros possui nossa casa, pois possuir muitos cômodos e muitos banheiros é símbolo do nosso poder. Cada membro da família
ter seu próprio quarto desde cedo, seu computador, e seu celular passaram a ser o importante, fomos engolidos, precisamos cumprir com essa meta de sucesso.

Não somos avaliados mais pela saúde de nossos filhos como boas ou más mães, mas por nossa capacidade de fazer muitas coisas, pelas viagens que fazemos, pelo corpo que mantemos, por exemplo.

Com todas essas demandas abusivas sobre os adultos sobra muito pouco tempo para as crianças e quando elas se tornam adolescentes que já podem e já querem estar sozinhos, é um alívio. Quando o meio urbano é agressivo demais para que o filho prescinda dos adultos, as famílias vão para condomínios fechados, ali eles podem andar sem a supervisão, mesmo que não estejam salvos dos bullying, dos abusos, das drogas.

No seriado está em jogo a relação dos meninos no encontro com esse outro feminino, que hipnotiza e assusta, a diferença do feminino, que por estar isolado no quarto não aprendeu a lidar. Mas, não somente por estar isolado, mas não aprendeu a lidar porque desde o início de sua subjetivação as diferenças não estão colocadas, o “não eu” custou a ingressar em sua vivência.

O isolamento que as crianças estão submetidas não se refere ao ambiente escolar, embora possamos também falar da escola e do descomprometimento do Estado com a educação e, portanto, com a infância, poderíamos analisar também a falta de Lei na escola, demonstrada no seriado.

Além disso, a ética e a moral que as famílias ou se abstêm de transmitir ou não possuem para transmitir, o “isso é feio”, “isso não se faz”, “há coisas que não te são permitidas”. Esses são os “amuletos” que irão proteger os adolescentes dos vampiros virtuais, os dentes de alho que lhes permitirá não serem tragados pelos criminosos da internet, pois eles terão crítica. Isso não significa deixar a critério das crianças a escolha
do que acessará na internet, significa que precisamos confiar minimamente na educação que damos quando estamos verdadeiramente presentes na vida de nossos filhos. Quando passamos nossas horas de folga nos divertindo com eles, quando nos ocupamos com seus problemas e com suas alegrias, quando falamos os assuntos deles, quando o prioritário nas nossas felicidades também é a felicidade deles.

É preciso não se abster de “fazer a cabeça” de seu filho, mas encher a cabeça de valores éticos e morais, ser o pai e a mãe “chatos” os quais educam todo tempo e em todas as oportunidades, os filhos precisam de pais, de adultos educadores, quando precisam que os pais sejam amigos, já há um sintoma, significa que não os encontraram entre iguais.

Na minha visão a internet é um instrumento que amplia e favorece o convívio com grupos, prática que no período inicial da adolescência que o filme apresenta, é constitutiva e necessária mas que pode também sustentar os sintomas na identificação dos grupos. Mas,  fundamentalmente a questão segue sendo a mesma de outros sintomas sociais que aparecem com veemência na adolescência, a delinquência, as drogas, as automutilações, a questão segue sendo o abandono das relações, a falta de ética e distorção da figura da mulher transmitida pelos homens aos adolescentes, os levando a se identificarem como o “macho” que produz abandono e sofrimento.

No entanto, precisamos atentar para o que aparece rapidamente no seriado, sem culpabilizar, mas, demonstrando, que a vítima também fazia parte da violência sofrida pelo rapazinho, humilhando e depreciando a fragilidade de sua constituição e de sua fraca identificação com o masculino poderoso, parte do bulling que ele sofria. O seriado aponta rapidamente para a cultura machista na qual a mocinha também estava imersa, ao ser um menino frágil ele podia ser ridicularizado.

O seriado que começa como uma ameaça e como um filme de terror, termina como um filme de amor, amor dos pais capazes de refletir sobre o que não fizeram, ocupados com as demandas de um sistema que os vampiriza.

Maria Cristina Petrucci Solé é psicóloga, psicanalista, membro da equipe do Centro Lydia Coriat e da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. É autora do livro “O sujeito surdo e a psicanálise: uma outra via de escuta”. @mariacristinasole