Sobre adolescência, ainda

Por Carolina Gubert Viola

Se há um diagnóstico a ser feito a partir da série “Adolescência”, da Netflix, este não diz respeito a Jamie, ou a seu pai, ou a Katie. A afirmação repetida, inúmeras vezes, pelo menino de que nada fez, tampouco tem que ser tomada como uma mentira, tentativa de enganação, manipulação ou algo do gênero. Já a pergunta sobre quem assassinou Katie, aqui, nos interessa, evidentemente, não no plano policial ou jurídico, onde está mais que provada a autoria e os procedimentos e efeitos do ato que devem ser seguidos, mas no plano inconsciente.

O último capítulo da temporada é magistral ao trazer os diálogos parentais sobre o que faz alguém chegar onde Jamie chegou. O cuidado do diretor e ator da série em não colocar nenhum “grande” problema como central na família, pois viria a justificar o ato do menino, é aqui fundamental. Algumas falas de Jamie com a psicóloga nos dão ainda mais pistas, seu incômodo com as perguntas, que nenhuma outra psicóloga havia feito, seu insistente questionamento se ela estava mesmo autorizada a fazê-las, sua confusão entre ter nela uma figura materna, uma mulher bonita a quem seduzir, e na dúvida tratá-la como uma mulher frágil a quem agredir: a vida sexual e suas diferenças são aqui fio condutor.

Jamie se acha feio, não desejável sexualmente pelas meninas que deseja, ao mesmo tempo, estranha a pergunta sobre se seu pai tem amigas mulheres pois esta hipótese é impossível para ele, que também, obviamente, dentro desse modo de viver, não as têm como amigas. O que são, então, as mulheres para Jamie? Essa pergunta a psicóloga não faz, mas ela obtém a resposta quando o menino admite ter matado Katie e se vangloria de não haver tocado no corpo dela, que, afinal, estava a seu dispor, os outros meninos teriam feito isso, diz ele.

Voltemos um pouco na série, o policial, como é de praxe, buscava o motivo do assassinato e, para isso, foi até a escola onde os dois jovens estudavam. Lá, teve três conversas fundamentais, a primeira, com Jade, que diz a ele que a polícia não se importa com Katie, o que de início nos deixa perdidos, mas se prova crucial na fala de Faye ao afirmar que nunca lembramos da vítima, apenas do assassino, e isso diz muito sobre nossa organização social; a segunda, com Mark (amigo de Jamie, que depois descobrimos ter emprestado a arma do crime) que traz, pela primeira vez na série, a questão dos homens desejáveis, dizendo que o policial é um deles e afirmando que ele já era assim na escola, o que é confirmado pelo mesmo, narcisicamente submerso no discurso adolescente; e, por fim, a conversa com seu próprio filho, que, ao contrário do pai, sofre todas as agressões por não ser o homem desejável, e é esse adolescente quem mostra para ele a total desconexão da investigação policial, que lê apenas a escrita formal e nela acredita, deixando de fora o que não compreende: nesse caso, os emojis e o mundo dos grupos digitais de homens descontentes com seu papel sexual na sociedade.

Precisamos voltar para o início, afinal é isso o que uma análise faz, desfazendo a trama, chegamos aos três elementos aos quais nos propomos, mesmo que em forma de negação: o diagnóstico, a enganação e o autor e, podemos dizer, que se tratam todos do mesmo e que nosso leitor já é capaz de nomeá-lo. Se há algo de que Jamie, seu pai, o policial, o amigo, o guarda da instituição, que tenta flertar com a psicóloga, enquanto ela trabalha, e assim, cada homem da série, sofrem, é de machismo. Se Jamie diz não ter feito nada é porque no mundo, no qual ele vive, o único lugar válido é o do homem e é só nesse mundo que crimes, como o perpetrado por Jamie, podem acontecer.

* Carolina Gubert Viola é psicóloga e psicanalista, membro clínico e docente do Centro Lydia Coriat.
@carolgviola