Os medos na infância – Silvia Eugenia Molina

Porque um bebê ou uma criança expressam temores, medos?

Em primeira instância, podemos dizer que o seu mundo se desestabilizou.

E como se compõe o seu mundo?

E o que confere estabilidade a ele?

A estabilidade depende da possibilidade de se referir, subjetivamente, aos adultos tutelares que se ocupam dos seus cuidados, desde os diversos laços sociais pelos quais precisam, necessariamente, transitar desde os âmbitos familiares e sociais.

E para que o aludido sentimento de estabilidade se instale e se desenvolva neles, o que é preciso que recebam dos adultos?

E o que quer dizer estarem REFERIDOS aos adultos tutelares?

Significa conseguir PARTICIPAR, obtendo um LUGAR na subjetividade daqueles e, deste modo, a partir da condição de bebê, experimentar a IMPRESSÃO DE EXISTÊNCIA, fornecida provisoriamente (no entanto imprescindível) pela maneira como se dedicam aqueles que cuidam. Esta modalidade de DEDICAÇÃO terá que ser graduada conforme sua imprescindibilidade surgir, de acordo com os progressos da organização da autonomia do filho.

Desta maneira, instala-se o sentimento de CONFIANÇA, através da constatação de que é possível contar com os cuidados de pessoas dedicadas a TRANSMITIR os códigos dos relacionamentos sociais, referenciais ordenadores e organizadores do seu funcionamento psíquico. Tal efeito é obtido através da prática cotidiana daqueles códigos durante todos os diversos momentos de encontros com os adultos cuidadores. Estes encontros são autênticas “oficinas”, “fábricas” de elaboração do psiquismo e irão constituir os REFERENCIAIS que possibilitarão administrar os relacionamentos, tanto com os adultos da vida privada quanto com aqueles que formarão parte da sua vida pública no futuro próximo quanto distante.

E porque o fato destes laços familiares e demais laços sociais serem ordenados pelos referenciais das leis que organizam a comunidade é TRANQUILIZADOR, não só durante a infância, mas durante o resto da vida? Porque é o único meio de proteger os adultos de cometerem excessos em relação aos bebês e às crianças, assim como proteger estes (ainda indefesos) dos possíveis excessos daqueles. Assim, surge o sentimento de estabilidade que a CONFIAÇA afiança, afeto que atenua a vivência de DESESTABILIZAÇÃO perante as circunstâncias geradas pela IMPREVISIBILIDADE. Esta também compõe nossa vida, incluindo os momentos de SEPARAÇÕES, que precisam se suceder aos ENCONTROS, nos quais os bebês e as crianças terão de exercer a POSIÇÃO ATIVA, construindo maneiras de dar conta das parcelas de imprevistos que surgirem.

Portanto, de onde provém os medos dos bebês e das crianças?

Quando esta constituição encontra obstáculos para se instalar ou para continuar sua organização. Ou seja, quando os adultos encarregados desta função civilizatória não conseguem oferecer ao bebê ou à criança aquilo que precisam, priorizando o que é necessário para eles próprios (os adultos). Assim sendo, esquecem do objetivo de inclusão social gradativa, exercendo uma tutela que pode ir da ausência desta modalidade de cuidados à instalação de uma tutela autoritária. Tais modalidades têm em comum a ausência da experiência da mencionada lei simbólica, ferramenta ordenadora, caracterizada por sua flexibilidade de aplicação, segundo o contexto na qual é instrumentalizada.

Deste modo, a referência aos laços e valores sociais fica debilitada ou até anulada, dando lugar a produções de excesso imaginário que podem se expressar através das imaginarizações das bruxas, dos monstros ou animais, com partes do corpo supranumerárias. Ou, ainda, por outras formas particulares da monstruosidade, como os dinossauros vivos, os esqueletos ou a Morte como personagem e suas insígnias – os zumbis, os robôs, as ruínas, as águas que invadem e inundam os continentes, os tsunamis.

Já a Caixa de Pandora simboliza aquela que se vale da inocência, entre outros “dons”, cujo exercício é simulado e não produto da inscrição subjetiva, para exercer todos os malefícios.

Assim como a aranha, que captura e aprisiona na sua teia, muito diferente do Homem Aranha, que se vale da sua teia para salvar e proteger.

Igualmente, aparecem as trepadeiras, plantas parasitas que vivem aderidas nas paredes ou nas árvores. Finalmente, temos as figuras humanas ou personagens destruídos e ensanguentados, como também o fim do mundo. Estas são algumas das formas através das quais se manifestam os temores e medos.

Por meio destas produções, vemos a criança em posição passiva, cedendo, se entregando à “realização” de fantasias aterrorizantes ou se debatendo para se desvencilhar da clausura imaginária.

Silvia Eugenia Molina
Psicóloga-Psicanalista. Especialista em Psicologia Clínica UFRGS; Fundador e membro da equipe clínica do Centro Lydia Coriat de PoA; Docente do Centro de Estudos Paulo Cesar D’Avila Brandão do Centro Lydia Coriat de PoA. Coordenador do Grupo de Estudos O Infantil e o Desenho, no seu XXIII ano de existência.