Adolescentes, Pandemia e ensino remoto – Maria Cristina Petrucci Solé

Maria Cristina Petrucci Solé, psicanalista do Centro Lydia Coriat.

Este texto pretende discutir do ponto de vista da teoria psicanalítica e do ponto de vista da clínica, então, do micro universo que rodeia a experiência com adolescentes nesse momento de pandemia. Até o ano passado, a grande queixa e dificuldade dos pais, era em relação ao tempo que os jovens e as crianças ficavam na frente do computador, usamos a expressão “intoxicações eletrônicas” para nos referir a isso. Esse ano, na pandemia, estamos todos intoxicados, ao final do dia não queremos nem olhar o celular, mas, dois minutos depois estamos respondendo mensagens de watsap, pois todas são urgentes.
Os pais sempre se preocuparam quando as crianças e os jovens não movimentavam seu corpo. Foi assim quando eles passavam horas “alienados” nos livros, depois na TV, e agora nos jogos e nos computadores. Saudosamente dizemos que a leitura de livros é mais instrutiva que a leitura no computador. Talvez, o que preocupe seja a desconexão com o mundo e não exatamente o instrumento. Quando a mãe chama o filho e ele não responde, não fica preocupada porque ele não responde, mas porque ele esta perdido ali. As pessoas acreditam que o mundo infantil deva estar povoado necessariamente de agitação corporal permanente. A criança saudável é aquela que pula, corre, brinca ou quer fazer isso. Quando a criança para quieta, apesar de ser mais fácil, foge daquilo que entendemos como “normal”.
O que chama atenção no computador é exatamente o apagamento desse corpo, fundamentalmente na adolescência, é quando cala o barulho desse corpo.
Mas, isso não é só na infância e adolescência, na vida adulta os encontros virtuais, também impõe ao corpo esse apagamento. No entanto, na juventude isso nos assusta como algo que está fora do lugar. Então, pedimos que as crianças e jovens se mexam, mas quando eles se mexem muito, os diagnosticamos como hiperativos e agitados.
A teoria psicanalítica entende a adolescência como um processo onde o sujeito passa por três transformações importantes: A primeira é a ruptura definitiva com o corpo da mãe. O corpo na infância é da mãe, ela mexe e manipula. Na adolescência o corpo deve deixar de ser da mãe, deve haver um afastamento que vai até o ato de sair para a rua, ficar longe do olhar da família e construir seu próprio espaço. A segunda é a transformação é corporal. Aceitar e conviver com esse corpo que já não é mais o mesmo e que não coincide com a auto representação. Rassial, ( 1997) diz que só há três momentos em que as pessoas se confrontam com o corpo como ele é, sem imaginarização, com o Real do corpo: na descoberta da gravidez, na doença e na puberdade. A terceira transformação é a renúncia à bissexualidade imaginaria infantil e a ilusão de poder determinar o próprio sexo, assim o confronto com a sexualidade e com o outro sexo.
Às vezes os adolescentes procuram o computador para lidar com essas transformações e também para lidar com aproximação excessiva com os pais. Agora, na pandemia, a separação necessária dos pais esta sendo impedida pelo fato de não se poder sair na rua, então a tendência é se enfiar mais ainda na tela do computador, usando ela como anteparo da relação, muitas vezes abusiva. Abusiva não exatamente do abuso sexual, mas da invasão e do controle. Em algum momento houve uma orientação para os pais vigiarem o que os filhos buscam na internet, e isso para os pais abusivos e invasivos foi a autorização que faltava.
Através da tela, a relação com os amigos está tão imaginariamente preservada quanto às relações virtuais dos adultos nos sites de relacionamento. Eles têm a ilusão de não estarem sozinhos, de manterem assim os laços com os outros. Os meninos exercitam os laços competitivos através dos jogos (lOl, league of legends) e as meninas nos facebook ou instagrans que as mantém nas trocas com os outros, mas que não implica o corpo, isto é, nesse caso preservam o corpo. Essa forclusão do corpo tem consequências. Porque, como ficam essas transformações necessárias para que o processo adolescente se conclua?
Como o sujeito coloca em pratica aquilo que na infância foi só uma promessa?
A adolescência é um tempo de potência não realizada, talvez o uso excessivo do computador tenha a intenção mesma de fazer o corpo desaparecer de cena, tornar invisível esse corpo que angustia o adolescente justamente por suas modificações e sensações que ele não sabe lidar. Se o corpo angustia, então o tiramos de cena.
Na infância os pais são consistentes, são os que sabem, que organizam, que orientam. Na adolescência aparece o descredito da potência desses pais. Eles precisam construir sozinhos este lugar de saber, de organização e de orientação.
A pandemia tem deixado os adultos muito desorientados, os pais estão cada vez mais deprimidos, angustiados, envolvidos em seus problemas, até de sobrevivência. Dessa forma, não são capazes de acompanhar o caminho dos filhos por esse mundo novo que precisam percorrer. A escola que muitas vezes foi arrimo desse processo da adolescência, oferecendo esse espaço fora de casa como laboratório de uma vida independente, esta perdida sem conseguir construir um saber para oferecer a eles. Quando eles buscam na escola uma certeza, ela também responde como os pais: não sabemos.
Concluindo, os adolescentes estão deprimidos, mas ao invés de reagir e descumprir a regra, quebrar a quarentena, oporem-se a lei dos adultos, estão escondidos nos quartos e conformados. Alienados na telinha, mantendo algum contato com a “turma” e resguardados, protegidos da angustia que lhes causa as transformações, parecem bem resolvidos.
Os pais, do outro lado da porta, tranquilos por não precisarem estar vivendo, além de tudo que já estão vivendo, as preocupações que sempre vivem os pais de filhos adolescentes: as drogas, a gravidez, os assaltos e a violência.
A escola por seu turno, sem ter que se haver com uma pratica que ao concorrer com o youtube, perde de longe, ensaia passos e se ausenta do papel que cumpriu toda vida, de palco para as vivencias próprias da adolescência. É na escola que todos vivemos os primeiros olhares, os primeiros beijos e paixões. No meio, disso tudo os adolescentes estão com a vida em suspenso, não podendo colocar em ato, em ação como é próprio da adolescência, as mudanças necessárias para se tornarem adultos.